segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Mito da Felicidade





LETÍCIA SORG. COM JULIANA ELIAS

A resposta de qualquer pai ou mãe, questionado sobre o que deseja para os filhos, está sempre na ponta da língua: “Só quero que sejam felizes”. A frase não deixa dúvidas de que, numa sociedade moderna, livre de muitas das restrições morais e culturais do passado, a felicidade é vista como a maior realização de um indivíduo. Até governos nacionais se viram na obrigação de fazer algo a respeito.

Neste ano, a China e o Reino Unido anunciaram a intenção de medir o grau de felicidade de seus habitantes. Os governantes, espera-se, querem o melhor para seu país, assim como os pais querem o melhor para seus filhos. Mas a ambição de sempre colocar um sorriso no rosto pode ter um efeito contrário. A pressão por ser feliz, condição nada fácil de ser definida, pode acabar reduzindo as chances de as pessoas viverem bem.

“Quero que meus filhos sejam felizes, mas também que encontrem um propósito e conquistem seus objetivos”, diz o americano Martin Seligman, considerado o mestre da psicologia positiva. Depois de estudar a busca da felicidade por mais de 20 anos, ele afirma ser tolice elegê-la como a única ambição na vida. Ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, professor da Universidade da Pensilvânia, pai de sete filhos e avô pela quarta vez, Seligman reviu suas teorias e concluiu que é preciso relativizar a importância das emoções positivas. “Perseguir apenas a felicidade é enganoso”, diz Seligman .

Segundo ele, a felicidade pode tornar a vida um pouco mais agradável. E só. Em seu lugar, o ser humano deveria buscar um objetivo mais simples e fácil de ser contemplado: o bem-estar.

Em seu novo livro, Flourish (Florescer), Seligman apresenta cinco fatores fundamentais para viver bem. A felicidade (emoções positivas), quem diria, seria apenas um deles, ao lado de propósito, realização, engajamento e relações pessoais (saiba mais no quadro abaixo). “O que eu pensava dez anos atrás era parecido com o que Aristóteles dizia, que havia um único objetivo final, a felicidade”, afirma o americano. Mas ele observou que, muitas vezes, decidimos fazer coisas que não melhoram exatamente nosso humor. Como, por exemplo, ter filhos.

O que importa para viver bem
O psicólogo Martin Seligman afirma que a felicidade é só um dos elementos responsáveis por nosso bem-estar. Conheça os outros

Para casais estabelecidos, que sonham com uma família, a notícia de uma gravidez costuma levar pai e mãe às nuvens. O nascimento da criança é motivo de celebração, com direito a vídeo do parto e incontáveis fotos. Mas, segundo pesquisas de opinião, a alegria dura pouco, e nossa percepção de felicidade diminui nos primeiros anos de vida das crianças.

Uma provável explicação para o resultado seria que, ao responder ao questionário, somos influenciados por fatores comezinhos, como as noites maldormidas e as fraldas sujas. De qualquer forma, apesar disso, as pessoas continuam a ter filhos porque, mais do que alegria, eles dão sentido a nossa existência.

A ideia de que a vida é mais do que a busca de sensações positivas não é nova. Ao escrever que a felicidade é o motivo por trás de todas as razões humanas, Aristóteles não defendia viver apenas em busca de emoções positivas e prazeres.

Para o filósofo grego, ser feliz era praticar a virtude. Mesmo Thomas Jefferson, que alçou a felicidade a um direito na declaração de independência americana, em 1776, não defendia ser feliz acima de qualquer coisa, como queremos hoje.

No livro A democracia na América, Alexis de Tocqueville afirma que, para Jefferson, a felicidade envolvia conter desejos para obter objetivos de longo prazo. O que muitos afobados de hoje resistem em fazer.

A noção de que a felicidade é um objetivo tangível – e não um horizonte que norteia nossas ações – só se tornou dominante na sociedade moderna. Sua base vem do iluminismo, que colocou o indivíduo – e suas necessidades – no centro das preocupações humanas.

É dessa época a teoria utilitarista, que defendia a busca da maior quantidade de felicidade para o maior número de pessoas. Para o jurista e filósofo inglês Jeremy Bentham, a felicidade era a vitória do prazer sobre a dor.

A partir do século XVIII, começou a ganhar força a ideia de que temos de evitar as sensações negativas. O principal problema dessa filosofia de vida é basear-se em princípios muito frágeis e efêmeros: as emoções. “Os sentimentos positivos e negativos não podem ser entendidos como fins em si mesmos”, afirma a pesquisadora norueguesa Ragnhild Bang Nes, do Instituto de Saúde Pública do país.

As emoções negativas, embora desagradáveis, podem servir de alerta para o indivíduo de que há um problema que precisa ser resolvido ou prepará-lo para experiências futuras. Como uma espécie de teste, elas parecem desafiar nossos planos de viver bem. A publicitária mineira Cristiana Guerra sabe como poucos o que é enfrentar situações difíceis e ser obrigada a superá-las. 

Cinco caminhos para o bem-estar
Dicas da New Economics Foundation para conquistar uma vida melhor
 Pesquisas feitas com veteranos de guerra mostram que a maioria – cerca de 80% –Cristiana, de transformar em algo positivo um evento traumático. Um fator importante para conseguir superar a dificuldade é o otimismo.

“Os otimistas são mais esperançosos, resilientes, saudáveis e têm um desempenho melhor do que o esperado no trabalho, na escola e nas relações”, afirma Martin Seligman. “Eles pensam que os efeitos das dificuldades são temporários, e suas causas, específicas, delimitadas. E que a realidade é mutável.”

É consenso entre os pesquisadores que grande parte da felicidade, assim como a personalidade, é determinada já no nascimento. “A genética explica quase metade da variação da felicidade”, diz Ragnhild Bang Nes, do Instituto de Saúde Pública da Noruega. Mas, se a felicidade já está inscrita nos genes, não podemos alterá-la? Segundo Martin Seligman, é possível aumentar a duração e a intensidade das emoções positivas, mas a melhoria esbarra num teto: a personalidade de cada um. O conformismo, então, é o que nos resta? Não, responde Seligman. Para ele, a principal vantagem da teoria do bem-estar é permitir a qualquer um, independentemente de sua personalidade ou condição de vida, avançar para uma situação melhor.

Como viver bem dependeria não só das emoções positivas, mas também de outros quatro fatores, cada um pode encontrar seu próprio caminho. “Minha razão para negar um lugar privilegiado para a emoção positiva é a libertação”, afirma o psicólogo em seu livro. “A visão de que a felicidade está ligada ao humor condena 50% da população do mundo, que é introvertida, ao inferno da infelicidade.”

Na teoria do bem-estar, ou do florescimento, quem não é “para cima” pode compensar adicionando propósito e engajamento à própria vida. Por esse raciocínio, nem todo mundo conseguiria ser exatamente feliz, mas todos podem viver bem.

Saber disso tira uma tonelada de ansiedade de nossos ombros. Em vez de tentar se adaptar a outro jeito de ser, de buscar o bem-estar em terras longínquas, é possível cultivar um jeito próprio de viver bem. 

Especialistas chamam de “estado de fluxo”, termo criado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi. Nele, nós nos fundimos com o que fazemos. Não interessa a atividade, o importante é que ela desafie nossa capacidade e nos mantenha ocupados. 

Uma pesquisa inédita (leia os resultados no quadro abaixo) encomendada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) revelou que 61% acreditam que sua felicidade depende de si mesmos. A opinião é corroborada por estudos científicos, que mostram que a personalidade é o que mais influencia a felicidade.

A ciência discorda, contudo, da importância que os brasileiros dão a alguns fatores externos, como o dinheiro, especialmente para quem já tem uma boa situação financeira. Nesse caso, estudos sugerem que o dinheiro só faz diferença se o aumento de renda for só seu, e não de todos a seu redor.

“Para os mais ricos, felicidade é estar mais alto no ranking do que seus pares”, diz o pesquisador tailandês Nick Powdthavee, de Cingapura, e autor deThe happiness equation (A equação da felicidade), 2010. Mas Seligman alerta: “Quem se baliza pela comparação social é menos satisfeito com a vida do que aqueles que levam em conta valores individuais”.

É importante também saber como gastar seu dinheiro. Um estudo da Universidade de Chicago analisou nove categorias de produto e viu que apenas uma, a do lazer, estava ligada à felicidade. Seu efeito positivo parece estar ligado ao aumento do contato social. “O dinheiro tem uma relação positiva com a felicidade, mas esta é pequena se comparada com fatores não monetários, como as relações sociais”, afirma Powdthavee.


No livro Felicidade: lições de uma nova ciência (BestSeller, 2008), o economista britânico Richard Layard coloca as interações sociais – de amizades ou amorosas – como os fatores externos mais importantes de nossa vida. Em sua pesquisa, as pessoas que começam a ver seus amigos quase todos os dias reportaram, ao final de um ano, um nível de felicidade 0,161 mais alto (num total de 7). Isso é mais que o efeito do primeiro ano de casamento, responsável por um aumento de 0,134 na felicidade do casal.

O tipo de amizade também é importante, e é melhor que seus amigos sejam bem-humorados. Segundo o médico e sociólogo Nicholas Christakis, autor do livro O poder das conexões (Campus, 2009), a felicidade é contagiosa – assim como a depressão.

Cada amigo feliz de nossa rede aumentaria em 9% nosso próprio bom humor – enquanto um amigo infeliz causaria uma queda de 7%. Mas a solução não seria sair correndo atrás de muitos amigos.

Em tempos de Facebook, Orkut e outras redes virtuais, em que alguns expõem orgulhosos listas com mais de 2 mil “amigos”, é importante saber qual é sua verdadeira e sólida base social. Segundo o biólogo evolucionista Robin Dunbar, o cérebro humano só é capaz de lidar com 150 amizades ao mesmo tempo. No grupo mais íntimo – e mais importante –, estariam só cinco pessoas. Mas não existem regras.

Há quem consiga melhorar seu bem-estar criando relações melhores com mais pessoas e há também quem se sinta confortável com cinco. “Uma das principais sabedorias é respeitar a característica de cada um”, diz a psicóloga Cláudia Giacomoni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Obtido o desejado nível de bem-estar, muitos podem perguntar se a conquista seria duradoura. Embora parte dos brasileiros cite a juventude como um fator importante para se sentir feliz, estudos mostram que nosso bem-estar aumenta com o passar dos anos.

É verdade que a infância é uma fase propensa a uma grande dose de felicidade, mas o mesmo pode ser dito da terceira idade. Pesquisadores descobriram que, com o envelhecimento, há um aumento de bem-estar. As dificuldades surgem mesmo durante a vida adulta, repleta de desafios, pressões e inevitáveis frustrações.

A explicação para essa evolução estaria nas mudanças internas, e não em nosso entorno. Com o passar do tempo, nosso comportamento muda. As pessoas mais velhas brigam menos, sabem como solucionar um conflito, controlam melhor suas emoções e aceitam mais os infortúnios. Há várias teorias sobre por que isso acontece. Laura Carstensen, professora de psicologia da Universidade Stanford, afirma que os mais velhos sabem o que realmente importa e, por isso, focam no essencial. Com isso, aliviam a pressão pela felicidade imediata e se aproximam do bem-estar.

Como diz o historiador Richard Schoch, autor do recém-lançado A história da (in)felicidade, quando a felicidade está ligada a algumas condições, deixa de ser um direito de todo ser humano e se torna um privilégio de poucos. Ele diz que basta que tenhamos nascido para termos o direito e a capacidade de ser feliz. Para que esse objetivo não pese sobre nossos ombros, em vez de nos lançarmos numa incessante busca da felicidade – muitas vezes infrutífera –, deveríamos apenas descobrir como viver bem, a nossa própria maneira.

Fonte:  revistaepoca.globo.com


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