WALCYR CARRASCO
Jornalista, autor de livros, peças teatrais e novelas de televisão.
Estou
escrevendo a novela Gabriela, inspirada na obra de Jorge Amado.
Estou justamente nos capítulos em que Nacib pede Gabriela em casamento.
– Casar
pra quê? Precisa não – diz ela.
A
personagem é um espírito livre que antecipou as mudanças no modo de pensar e
agir das gerações seguintes à publicação do livro, no final da década de 1950.
Penso:
– Gabriela
é que tinha razão. O que significa casar hoje em dia?
As
fronteiras entre o namoro e o casamento andam cada vez mais confusas. Outro dia
encontrei uma amiga que me anunciou vitoriosa:
– Estou
casada!
Durante o
papo, descobri que estava saindo com um rapaz havia quatro meses. Não moravam
juntos, nem tinham qualquer compromisso formal. Para ela, tratava-se de um
casamento. Ao contrário, muitas vezes o casal até mora junto, mas diz que está
“se conhecendo”. Ou seja: as palavras namorar e casar significam mais ou menos
a mesma coisa. Depende de quem as pronuncia.
No passado os termos eram mais precisos. Havia
a “concubina”, que vivia sob o mesmo teto sem papel passado. Se eu chamar
alguma amiga de concubina, levo um tapa na cara. E “amásio”? Céus, quem fala em
amasiar-se atualmente? Eram boas palavras, porque definiam situações específicas.
Às vezes, a confusão é tanta que a mulher acha que está casada e seu parceiro
pensa que está namorando!
O cinema
americano resolveu essa questão brilhantemente: a dupla vive sob o mesmo teto,
se ama. O compromisso é assumido quando ele oferece um anel no meio de um
sorvete durante um jantar (com direito a merchandising da Tiffany’s).
Nos
filmes, casar é igual a assumir compromisso.
Uma
balela, que só vale para filmes. No Brasil, se duas pessoas vivem juntas, o
compromisso já existe. Queiram ou não. Pelo menos do ponto de vista legal. Quem
prova uma relação estável pode até sair de um processo com mais vantagens
econômicas do que alguém que se casou no papel, com direitos especificados. Tem
mais: o casamento deixou de ser uma relação para toda a vida. Divórcio é fácil.
Conheço
mulheres que se casaram uma vez, duas, depois nem se deram mais ao trabalho. Só
juntam os trapos, como se dizia antigamente. Há uma que anuncia:
– Tive
cinco maridos.
É uma
forma de valorizar o currículo!
Hoje, as palavras namorar e casar
significam mais ou menos a mesma coisa. O importante é o amor
E o
vestido branco? Nenhum símbolo perdeu tanto o sentido. Era a cor das virgens.
Viúvas se casavam de azulzinho, rosa pálido... Hoje, noivas de qualquer idade
casam de branco. Não importa a quilometragem. Por que não aderem ao vermelho,
verde, roxo? Há uma indústria enorme em torno de vestidos, festas, fotos,
lembrancinhas.
Milionários gastam mais de milhão para casar
suas herdeiras, em festas suntuosas. E às vezes o casamento dura menos que sua
preparação. Conheço um casal que se separou ao voltar da lua de mel. A outra já
o esperava no aeroporto.
Ser
padrinho virou um mico. Era uma honra, uma relação quase de parentesco. Hoje,
convida-se um batalhão. Uma vez quase despenquei do altar de tanto
empurra-empurra. A aglomeração de padrinhos era pior que metrô às 6 da tarde. O
objetivo dos noivos era ganhar bons presentes, já que, supõe-se, padrinhos são
mais generosos. Eu, hein?
A
cerimônia religiosa era ganhar a bênção divina. Como a Igreja Católica Romana
não admite a separação, os casais recorrem a credos mais flexíveis. A Igreja
Anglicana admite casar divorciados. Nada contra. Mas, se a pessoa é católica,
recorrer a outra religião não é dar um truque no Ser Supremo? Hummm... Ele, que
tudo sabe, vai cair nessa?
Já fui a
dois casamentos sem ministro. Os noivos inventaram a cerimônia, com amigos
discursando. No Japão, é comum contratarem atores para oficiar como padres.
Antes fazem uma cerimônia xintoísta, mais íntima. Depois, a ocidental, com vestido
branco e padre fake.
Segundo o
filósofo francês Luc Ferry, no livro A revolução do amor, “a
experiência do amor é o único valor absoluto, o único que dá sentido a todos os
outros”.
Minha geração pregou o amor livre. Muitas
conquistas da década de 1960 foram absorvidas pela sociedade. Laços formais não
têm mais tanta importância, como defendíamos. O casamento perdeu significado,
mas continuou a existir como uma cerimônia oca, para grande parte dos casais. O
espetáculo é superficial e tira de foco o mais importante. O amor,
simplesmente.
Somente o amor pode dar sentido a uma união, sem necessidade de festa e
vestido branco. E me pergunto outra vez: nos dias de hoje, para que casar,
afinal?
Fonte: revistaepoca.globo.com
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