quinta-feira, 17 de março de 2016

Pedofilia parte 4   -  Epílogo



O PERFIL DO PEDÓFILO: UMA ABORDAGEM DA REALIDADE BRASILEIRA 

Joelíria Vey de Castro e Cláudio Maldaner Bulawski








Sumário:

1. Noções Introdutórias; 2. Pedofilia: Doença ou Desvio de Conduta?; 3. A Disciplina Legislativa sobre o Tema; 3.1. Constituição Federal de 1988; 3.2. Estatuto da Criança e do Adolescente; 4. O Pedófilo como Indivíduo (In)Imputável; 5. Considerações Finais; Bibliografia.

Resumo:

A pedofilia, apesar de afligir a humanidade há muitos anos, só recentemente é que vem sendo objeto de estudo no seio das ciências jurídicas e da psicologia. A grande atenção dessas pesquisas se dá em decorrência dos assustadores índices de agressões sexuais de adultos contra crianças e adolescentes. Baseada nessa questão, o presente artigo teve como fim a abordagem relativa ao aspecto psicológico, normativo e jurídico da pedofilia. Fez-se necessária uma análise da existência e eficácia das legislações a respeito do tema, desde uma leitura do Direito Constitucional até o estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente, que se buscou adaptar à nova realidade social no Brasil. Realizou-se, ainda, um exame quanto à formação mental do agente pedofílico, no sentido de averiguar se eles são indivíduos inimputáveis, isto é, se em face disso deveriam ser tratados com medida de segurança, ou, então, são considerados como imputáveis e, portanto, mereceriam uma reprimenda penal com pena privativa de liberdade. O estudo utilizou-se do método de abordagem dedutivo, ou seja, valeu-se de levantamentos e estudos, bem como de dados e informações que visem compreender as características da pessoa taxada como pedófila.
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1. Noções Introdutórias

A pedofilia, assunto proposto para exposição, interessa a toda a sociedade atual. De uma questão pouco enfrentada em tempos passados, transformou-se em um problema que, na última década do século XX, emergiu em grandes proporções. Tende-se a atribuir o crescimento do problema à facilidade de acesso aos meios de comunicação, dentre eles a utilização da internet como um dos principais veículos de propagação das condutas pedofílicas e de pornografia infantil.

A partir da exposição pública de casos de pedofilia envolvendo pessoas das mais diversas condições sociais e profissionais, que estariam “acima de qualquer suspeita”, voltaram-se os cientistas comportamentais, dentre eles os juristas, para a pesquisa dessa prática, cujas vítimas são crianças de tenra idade e que, em significativa parcela das vezes, estão inseridas no mesmo seio familiar do seu agressor.

A participação efetiva do Estado, através de seus órgãos especializados em tal questão, conjuntamente com a intensa participação dos grupos e organizações não governamentais de proteção do jovem, apontam a pedofilia como um dos aspectos geradores de desequilíbrio social, no qual se envolvem sexualidade, educação, ética, costumes, religião, tudo coroado pela repressão do ente estatal por meio da justiça penal.

É nesse campo minado de preconceitos e distorcidas visões de mundo que os juristas debruçam-se na tentativa de sistematizar o tema e aplicar a repressão adequada e efetiva para impedir as agressões ao corpo e à alma de quem sequer iniciou a desenvolver o senso de o que é certo ou errado em uma sociedade na qual se vive.

Com o objetivo de abordar parte das questões que envolvem tal tema, o presente trabalho foi elaborado em três tópicos.

O primeiro dos tópicos busca demonstrar o que vem a ser a pedofilia, tanto de um ponto de vista médico como, também, sob o entendimento da psicanálise, culminando com a representação conceitual tecida pela Organização Mundial da Saúde.

Num segundo momento, por sua vez, discorre-se sobre a legislação brasileira que trata a respeito do tema em comento. Faz-se, também, uma breve análise a respeito da abordagem constitucional sobre a questão das crianças e adolescentes, que acabou dando origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente.Este, o qual tem sofrido significativas mudanças nos últimos anos, principalmente no que tange à parte que cuida da repressão criminal de condutas ali abrangidas, merecerá análise mais incisiva, relatando-se as modificações que acabaram ocorrendo em seu corpo desde sua edição. Faz-se, ainda, uma breve análise do tema pela jurisprudência e mídia no território brasileiro.

Por fim, no terceiro e último tópico examina-se a questão da imputabilidade, ou não, do do pedófilo, ou seja, se seria ele um ser passível de merecer uma reprimenda penal de privação de liberdade, ou então seria beneficiário de uma medida de segurança.

 2. Pedofilia: Doença ou Desvio de Conduta?

Matilde Carone Slaibi Conti, citando os ensinamentos de Freud, refere que a “necessidade sexual do homem e do animal é de cunho biológico tão forte que pode ser comparada à necessidade básica de alimentação. Entretanto, algumas pessoas estabelecem formas particulares e até mesmo doentias de satisfação dessa necessidade.” Uma dessas formas doentias de satisfação sexual é a pedofilia.

O termo pedofilia é também tratado como paedophilia erotica ou pedossexualidade. É um termo que, apesar de ter origem muito antiga, foi incluído há pouco tempo nos dicionários de língua portuguesa.

Com o fim de desvendar e interpretar devidamente o sentido e significado do vocábulo, necessária é a averiguação de sua etimologia. A grifada palavra deriva do grego, “ped(o)”, “paidós” – que remete à ideia de criança – e “phílos” – que traduz o conceito de amigo, querido, segundo conceituação do dicionário Houaiss. Segundo este, pedofilia trata-se de uma “perversão que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças; prática efetiva de atos sexuais com crianças”. Deve-se ressaltar que o termo perversão foi inicialmente trabalhado por Sigmund Freud a partir de 1896, a qual se atribuiu o sentido de desvio sexual em relação a uma norma.

Contudo, de um modo menos frequente, a literatura também faz uso da expressão efebolia como sinonímia de pedofilia, em que “efebo” significa jovem, rapaz, moço, púbere.

O citado fenômeno social constitui-se, para a psicanálise, em uma parafilia, na qual a atração sexual de um ente adulto está voltada primordialmente em relação a crianças pré-púberes ou não. Diz-se primariamente porque, antes de sentir-se atraído por alguém do sexo oposto e com idade similar, o agente vê-se compulsivo por jovens de tenra idade.

De um ponto de vista psicanalítico, lançado por Fani Hisgail, a pedofilia representa uma perversão sexual que envolve fantasias sexuais da primeira infância abrigadas no complexo de Édipo, período de intensa ambivalência das crianças com os pais. O ato pedófilo caracteriza-se pela atitude de desafiar a lei simbólica da interdição do incesto. O adulto seduz e impõe um tipo de ligação, na tentativa de mascarar o abuso sexual. (...) Sem defesa, a criança reage até onde podemas, uma vez submetida ao gozo do pedófilo, cumpre a fantasia inconsciente da cena primária, isto é, da participação sexual da criança na relação dos pais.

A partir das ideias tecidas por Hisgail, compreende-se que, no contato do pedófilo com a criança, esta acaba sendo levada a praticar os atos com aquele devido a uma correlação direta entre a conduta ali praticada e sua analogia à cena primária. Nesta, o jovem de tenra idade age sob os efeitos do complexo de Édipo, pensando estar imiscuído na relação sexual entre seus pais. Em razão disso, não entendendo corretamente os efeitos daqueles atos, até mesmo porque sua mentalidade não está completamente desenvolvida, entende como normal a conduta realizada.
Sobre o assunto, Moore e Fine, em vocabulário referenciado pela Associação Americana de Psicanálise, conceituam a perversão como “comportamento sexual fixo e urgente considerado patológico porque se afasta na escolha objetal e/ou no objetivo da norma adulta aceita de relação genital heterossexual”.

Aliás, outro não é o entendimento empossado por Sandro D´amato Nogueira, que, quanto à classificação, refere ser a pedofilia um “distúrbio de conduta sexual, onde o indivíduo adulto sente desejos compulsivos, de caráter homossexual (quando envolve meninos) ou heterossexual (quando envolve meninas), por crianças ou pré-adolescentes”.

Já, do ponto de vista médico, de acordo com Jim Hopper, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston, a “pedofilia é um conceito de doença que abarca uma variedade de abuso sexual de menores, desde homossexuais que procuram meninos na rua, até parentes que mantêm relações sexuais com menores dentro de seus lares.
Apesar da citada divergência conceitual entre médicos e psicanalistas, tendo-se como base a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), no item F65.4, a pedofilia é definida como "preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou não".

Por sua vez, Alfredo Neto, Gabriel Gauer e Nina Furtado rotularam quais são os elementos necessários para que uma pessoa possa ser enquadrada no ato do agir pedofílico:

a) Ocorrência por no mínimo seis meses de fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos sexuais excitantes, recorrentes e intensos envolvendo atividade sexual com uma ou mais de uma criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos).

b) As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos sexuais excitantes causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo
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c) O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho que a(s) criança(s) com o qual mantém relação. Aqui não cabe incluir um indivíduo no final da adolescência envolvido num relacionamento sexual contínuo com uma criança com 12 ou 13 anos de idade.

Especificar-se:
1) Atração sexual por homens
2) Atração sexual por mulheres
3) Atração sexual por ambos os sexos


Especificar-se:
1) Limitada ao incesto
2) Com crianças desconhecidas


Especificar-se:
1) Tipo Exclusivo: Atração apenas por crianças
2) Tipo Não-Exclusivo: atração tanto por crianças quanto por adultos.


Por outro lado, segundo os mesmos autores, “quando o distúrbio ocorre em indivíduos no final da adolescência, não se especifica uma diferença etária precisa, cabendo um julgamento clínico a partir da maturidade sexual da criança e da diferença de idade.”

Sobre o tema, grifa Matilde Conti, citando Paulo Cunha Pereira, que “Freud classificou a pedofilia como sendo a perversão dos indivíduos fracos e impotentes”. Por se tratar de uma pessoa sexualmente inibida, o agente tende a escolher como parceiro uma pessoa vulnerável, possuindo sobre ela uma ilusão de potência.

Pelo que foi exposto, vislumbra-se que a pedofilia não é um termo jurídico, e sim um termo médico que se refere a um distúrbio de comportamento a ser diagnosticado no caso concreto. Ora vem a ser considerada como doença, espécie do gênero parafilia, ora definida como perversão, sendo classificada pela psicanálise como transtornos de uma estrutura psicopatológica caracterizada pelos desvios de objeto e finalidade sexuais.

Deve-se notar que não há necessidade da presença do ato sexual entre pedófilo e criança, eis que uma pessoa poderá, perfeitamente, ser considerada clinicamente como pedófila apenas pela presença de fantasias ou desejos sexuais em sua mente, desde que preenchidos os critérios acima referidos.

Pelo que se pode extrair dos conceitos tecidos acima, busca-se organizar alguns critérios para o fim de que, assim, se possa amoldar determinado agente produtor de uma conduta ao conceito de pedófilo. Todavia, tal tarefa não é nada simples, haja vista que a pessoa portadora dessa perturbação sexual, frequentemente, não admite que seu comportamento fica alheio aos padrões normais da sociedade. Em grande parte das vezes, os sujeitos taxados como portadores de tal perversão negam veementemente este rótulo, relatam não estarem cometendo qualquer ilícito e alegam que, se praticaram algum ato, foi por motivação advinda da criança.

Deve ficar claro, entretanto, que não é qualquer atração por criança que vem a enquadrar uma pessoa como pedófila, mas somente se a mesma se adapta aos elementos expostos anteriormente, como por exemplo, possuir desejos sexuais intensos por um jovem em tenra idade por período não inferior a seis meses.

Ademais, deve-se diferenciar a pedofilia do uso não patológico de fantasias sexuais, comportamentos ou objetos utilizados como estímulos para a excitação sexual, em indivíduos sem parafilia. Seguindo os pensamentos de Matilde Conti fantasias, comportamentos ou objetos são parafílicos apenas quando levam o sofrimento ou o prejuízo clinicamente significativos, exigindo a participação de indivíduos sem seu consentimento, trazendo complicações legais e interferindo nos relacionamentos sociais.

Diversas pessoas nessa situação relatam que o comportamento não lhes causa sofrimento, sendo que seu único problema é a disfunção sexual das outras pessoas em relação às suas atitudes. Contudo, outros se descrevem culpados, com vergonha e depressão, pela necessidade de se envolverem em uma situação de índole sexual incomum, considerada, por eles mesmos, como imoral.

Dessa maneira, apesar do crescente número de denúncias da prática da pornografia infantil e das recentes descobertas de redes de pedofilia, grande parte das pessoas ainda permanece desinformada diante das vicissitudes do problema. Tais fatos são possivelmente decorrentes do incesto e vergonha da sociedade, que acabam dificultando a investigação, assim como pela dificuldade dos genitores ou educadores de gerirem as manifestações da sexualidade infantil.

Neste ponto do estudo, é salutar a realização de uma indagação: existe alguma diferença entre pedofilia e pornografia infantil, ou são termos sinônimos?

Ao contrário do que se vê diuturnamente na mídia, são termos distintos e como tais devem ser tratados, ainda que entre eles exista algum elo de semelhança, tal como a consequência para as vítimas de ambos os atos. Enquanto a pedofilia é tratada como uma psicopatologia, um desvio no desenvolvimento da sexualidade, caracterizado pela atração sexual de forma compulsiva e obsessiva por crianças e adolescentes, a pornografia infantil é tipificada em alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente pela simples exposição de cenas de nudez que envolva crianças ou adolescentes, desde que contenham conotação pornográfica.

A pornografia infantil, nesse último aspecto, para se caracterizar não depende de uma reiteração de atos, bastando uma única exposição de cena de nudez de uma criança ou adolescente para qualificar o delito punido pelo ECA. Já a pedofilia, por não se tratar de um tipo penal, e sim de caracteres pessoais do agente abusador, exige reiteração de atos, podendo também ser manifestada pela exposição pornográfica infantil. Um exemplo disso se encontra nas chamadas “redes de pedofilia” pela internet, na qual se inserem adoradores de crianças, devido à comodidade com que lidam em tal meio.

A partir dos elementos lançados, salienta-se que, ainda que a pedofilia nasça dentro de um ambiente privado, o agir pedofílico transpassa os limites do particular, invadindo ambientes sociais, colocando-se do lado oposto ao interesse da coletividade e ao bem coletivo. Com sua atitude, o agente pedófilo acaba por agredir toda a comunidade, tendo em vista que sua vítima é sempre um sujeito despido de atos de anuências. Diante de tais fatos, torna-se imperativa uma resposta social e jurídica, eis que o que inicialmente era apenas interno e psicológico passa a ser, ao mesmo tempo, externo e jurídico.

3. A Disciplina Legislativa sobre o Tema

A disciplina do direito criminal engloba uma diversidade conceitual, abrangendo a sociologia, a antropologia, a medicina, a psicologia, além do tripé Direito Penal, Processual e Penitenciário. No que se refere a esses três elementos, grifa-se serem regidos pelo que se chama de Política Penal. Esta tem como objetivo oferecer uma resposta eficaz aos delitos praticados, tanto do ponto de vista punitivo como também do preventivo. Assim, ainda que as legislações penais na nossa história não estivessem muito comprometidas com os princípios éticos, com o passar dos tempos, as mesmas foram evoluindo e modificando-se para atender as expectativas e os anseios populares. 

Tais fatores foram certamente acolhidos pela legislação brasileira que trata a respeito dos direitos, garantias e deveres das crianças e adolescentes, desde o que vem disposto na Carta Magna até a edição de leis específicas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.1. Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988, estruturada dentro de um pensamento modernista, deixou de ser um diploma político para ser um pacto de cidadania, até de certo modo prolixo, preocupando-se com os direitos humanos em todas as dimensões.

A ordem constitucional de 1988 veio a consagrar os direitos da criança e do adolescente como direitos fundamentais, consoante refere o art. 227, abaixo transcrito:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Como forma de regulamentar especificamente a matéria, o Estado, através do seu poder de legislar, introduziu no ordenamento jurídico o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que trouxe normas de conteúdo material e processual, de natureza civil e penal, abrigando toda a legislação que reconhece os menores como sujeitos de direito.

Sempre que uma criança for vítima de um abuso sexual, qualquer que seja sua forma, se para fins de satisfação de libido individual ou mesmo de redes organizadas para produção de material pornográfico, há, antes de tudo, uma ofensa aos seus direitos fundamentais da liberdade sexual e da dignidade da pessoa humana. Além disso, há violação também de direitos derivados do desenvolvimento e da formação psíquica, da intimidade e da moral sexual social.

Fala-se em violação da liberdade sexual quando há abuso contra a criança em razão da total ausência de eleição sexual por sua parte, mesmo que a prática se dê sem violência ou grave ameaça. É por assim entender que o nosso legislador constituinte inseriu o art. 227, § 4º, o qual descreve que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente, papel que coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.2. Estatuto da Criança e do Adolescente

Conforme o entendimento de Ana Carolina Teixeira e Maria de Fátima de Sá, o Estatuto da Criança e do Adolescente rege-se pelos princípios do melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral, visando a conduzir o menor à maioridade de forma responsável. Seguindo-se tal parâmetro, o desenvolvimento do menor se dá como sujeito da própria vida para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais.

Partindo desse pressuposto é que o legislador objetivou punir o crime de pornografia infantil na internet, tendo em vista que este é um dos meios mais interessantes para os agentes praticarem condutas pedofílicas, primordialmente pela questão do anominato que impera nesse meio de comunicação. Assim, com a edição da Lei nº 10.764/03 é que foi introduzido no ECA o art. 241, abaixo referido: Esta lei introduziu uma modificação no texto normativo do art. 241, a seguir mencionado:

Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente:
§ 1o Incorre na mesma pena quem:
I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a participação de criança ou adolescente em produção referida neste artigo;
II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo;
III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo.
§ 2o A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos:
I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício de cargo ou função;
II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial.

Assim sendo, como a lei, apesar de modificada, ainda não vinha considerando crime a posse e o armazenamento de fotos de pornografia infantil, não poderia ser dada voz de prisão aos delinquentes. Tal fato, contudo, somente seria possível na hipótese de a pessoa estar praticando o crime em flagrante delito ou, então, no caso de ficar constatado que o envio de dados se deu pelo computador de determinada origem.

Por sua vez, com a edição da Lei 11.829/08, que modificou o aludido Estatuto, este passou a incriminar uma pessoa que, até então, não vinha sendo punida, qual seja, o consumidor do material pornográfico. Na prática, o artigo introduzido por tal lei veio a punir algo que deveria assim ter sido desde o início, tal qual o usuário de droga ou um receptor de material oriundo de furto.

Com a edição da citada lei, veio a ser reprimido o financiador da cadeia, que é o consumidor. A despeito disso, Ricardo Breier ressalta que alguns doutrinadores não são muito adeptos da punição do consumidor dos produtos da pornografia infantil. Conforme preleciona, os argumentos destes que defendem a prática consumerista baseiam-se no entendimento de que muitos usuários da internet não possuem traços pedófilos e, com isto, não poderiam ser incriminados pela simples posse ou pelo desejo sexual; estes casos representam uma mera tendência sexual (...). Punir o mero consumidor, dentro desta posição, não resolveria o problema, já que a cadeia da rede organizada pedófila é que deveria ser o alvo direto das instituições. Como um argumento psíquico, a posse do material pornográfico infantil, pelo pedófilo, viria a inibir, em parte, o seu desejo sexual, um freio aos seus instintos, o que evitaria uma ação real de abuso sexual.

Ora, o argumento a favor da possibilidade de armazenamento de material pornográfico infantil torna-se bastante questionável. O consumidor deveria ser punido da mesma forma assim como o é o produtor dos materiais. Se assim não fosse, tende a sempre haver indústria para recebimento dos produtos de um modo geral, que, por sinal, geram um lucro astronômico. Razoável que sejam punidos os fabricantes e os consumidores.

Do mesmo modo, é inconsistente o argumento de que o pedófilo, somente vislumbrando as imagens das crianças, diminuiria a libido. Ora, tal atitude apresentaria um risco muito maior de estimular ainda mais os desejos de índole sexual do agente. Não bastasse isso, deve-se haver ainda uma ponderação entre o prazer do indivíduo, evitando o posterior mal, e os direitos fundamentais inerentes ao menor, que certamente devem prevalecer.

De tal modo, diante das reformas trazidas ao ECA, com as edições das leis antes referidas, há uma série de novos verbos em seus tipos punitivos, alargando significativamente as condutas puníveis, em comparação com sua redação original. Entretanto, com a edição da Lei n° 11.829/08, que trouxe significativas modificações no diploma protetivo dos menores, frequentemente se via na mídia que, a partir de tal norma jurídica, passou-se a punir criminalmente a pedofilia. Trata-se de um grande erro. Pedofilia é um termo clínico, não jurídico. É distúrbio de índole sexual do grupo das parafilias.

Com a novel legislação, passou-se a punir criminalmente algumas condutas que não haviam sido previstas pelo legislador na redação original do Estatuto, grifando-se, principalmente, as ações de armazenamento e posse de imagens pornográficas infantis, bem como a de instigação de criança, por qualquer meio, para que com ela se pratique ato libidinoso. Entretanto, não se deve falar em punição à pedofilia, pois esta, como se viu, é uma parafilia, uma psicopatologia. Dessa forma, a pergunta cabível é como ir-se-ía punir uma patologia? A pedofilia, como doença, não deve ser punida, assim como não o é a simples condição de uma pessoa ser considerada psicopata.

E a justificativa para a não punição do pedófilo, ou mesmo do exemplo citado do psicopata, pode ser encontrada em uma das funções do Princípio da Lesividade, quando busca impedir que o agente seja punido por aquilo que ele é, e não pelo que ele fez. Tal entendimento visa impedir o que se chama de direito penal do autor.

Assim, o agente pode ser pedófilo e nunca ter manifestado externamente seu pensamento, chegando, ao máximo, a presentear com meros brinquedos uma criança que admira, sem manter com ela qualquer relação sexual. O que se pune, na verdade, são as condutas praticadas pelos agentes, aplicando-se ao caso o direito penal do fato, e não a mera condição pessoal, como parecem querer incutir alguns políticos em seus discursos nos meios de comunicação. Há um grande erro terminológico empregado no Brasil nos dias de hoje quando se aborda o tema .

O que recentemente veio a ser aprimorado no ECA foi a questão de sua abrangência no que tange as condutas que poderiam vir a ser cometidas pelos pedófilos. Contudo, é aqui que claudica a mídia, pois os atos que estão sendo criminalizados punem não só aquela pessoa taxada como pedófila, mas também outros indivíduos que venham a cometer os atos infracionais ali descritos, que não necessariamente possuam tais transtornos psicológicos.

Em tempos passados, quando alguém cometia um delito em face de uma criança, não havia qualquer elucidação ao termo “pedofilia”. Simplesmente frisava-se o cometimento, por exemplo, do crime de estupro presumido (hoje considerável estupro de vulnerável), quando praticado em menores de quatorze anos. Nos dias de hoje, no entanto, vê-se tal fato como sendo necessariamente um ato pedofílico, sem se atentar às reais condições psicológicas do agente que venha a caracterizar ou não o transtorno de índole sexual. Há, portanto, sobretudo pelos meios de comunicação, uma maciça utilização do termo “pedofilia” em atenção à demanda popular pelo assunto, caracterizando até mesmo atos isolados de abuso sexual como atos pedofílicos.

Pune-se pela nova lei quem tira proveito com a exploração sexual infantil, seja por meio de fotos, vídeos ou aliciamento de menores. Porém, este que vem a concretizar tais condutas, na maioria das vezes, não é um pedófilo. Diversas vezes o agente acaba investindo nesse ramo frente à possibilidade de aferição de muito lucro, tendo em vista que o mercado da pornografia, seja ela infantil, ou não, movimenta milhões de dólares em todo o mundo no decorrer dos anos.

Isso só vem a ratificar o que foi exposto linhas acima, pois a lei pune tanto aqueles que praticam alguma das condutas, devido a uma situação momentânea de conturbação em sua vida, bem como aqueles que auferem algum tipo de lucro com isso, ou mesmo os que são agentes pedofílicos durante anos e assim não negam.

Dessa forma, ainda que haja uma má utilização do termo “pedofilia” pela mídia, deve-se grifar a correta aplicação do termo em julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. RÉU SEMI-IMPUTÁVEL. 1. SUBSTITUIÇÃO DA PENA RECLUSIVA POR MEDIDA DE SEGURANÇA. ACOLHIDO.

 Réu submetido à avaliação psiquiátrica cujo laudo diagnosticou tratar-se de indivíduo portador de pedofilia, reconhecendo o nexo de causalidade entre a referida patologia mental e a conduta criminosa praticada pelo réu. Avaliação pericial que recomenda aplicação de medida de segurança para o tratamento da patologia apresentada. Sentença que desconsiderou a recomendação dos expertos e aplicou pena reclusiva em regime aberto, mesmo tratando-se de crime hediondo praticado contra criança de oito anos, mediante violência real. Patologia mental diagnosticada que conduz o réu a impulsos sexuais desviados, sendo forte a probabilidade de siga praticando abusos sexuais em crianças se não for submetido a um rigoroso tratamento médico. Possibilidade de cura para a patologia reconhecida pelos expertos. Substituição da pena reclusiva por medida de segurança que se mostra recomendável, nos termos do art. 98 do Código Penal. Determinada a internação do réu no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso (IPF), pelo período mínimo de dois anos. APELO PROVIDO.

No julgado referido, há um correto uso da palavra pedofilia, eis que o réu foi submetido à análise para averiguação de possível patologia mental, que no caso tratava-se de pedofilia. O caso em concreto retrata a prática do crime de atentado violento ao pudor (hoje abrangido pelo tipo penal “estupro”), no entanto, cometido por indivíduo portador de transtorno patológico. Fica claro no acórdão citado a diferença proposta anteriormente de que a pedofilia em si trata-se de uma doença, e não de um tipo penal. A conduta praticada pelo agente portador de tal distúrbio é que deverá, sim, ser amoldada a algum tipo penal da legislação brasileira.

É aqui, entretanto, que se encontra um dos graves entraves ao entendimento do fenômeno, ou seja, a distinção entre o pedófilo e o autor de crime sexual praticado contra menor. Diante da análise clínica do termo, consegue-se perceber que grande parte das pessoas que abusaram sexualmente de uma criança de baixa idade não é considerada pedófila, mas mero criminoso que veio a aproveitar uma situação casual de alguma criança. Há nesta situação uma ilicitude eventual, motivada por determinada circunstância, que diz respeito à determinação do agente por atração de pessoas de tenra idade.

De tal modo, ainda que comumente uma pessoa que pratica ato sexual com uma criança seja taxada como pedófila, há, contudo, outras razões que podem levar a tal ato. Alguns dos exemplos citados por estudiosos do assunto dão conta de que “o estresse, problemas no casamento, ou a falta de um parceiro adulto, tal como o estupro de pessoas adultas pode ter razões não-sexuais.” Relata-se que a maioria dos abusadores não possui um interesse sexual voltado primariamente para crianças, razão pela qual não se emoldariam ao termo clínico de pedofilia.

No que tange a tal aspecto, vige uma grande curiosidade por parte das autoridades em descobrir onde se localizam as pessoas taxadas como pedófilas. Seguidamente, no início do ano de 2009, foram aflorando inúmeras denúncias de atividades pedofílicas, tanto em circunstâncias nas quais ficou caracterizada uma “rede de pedofilia”, como em Catanduva, no interior paulista, bem como em casos individuais. Nestes, vêm chamando atenção as atividades que envolvem parentes do abusador ou mesmo seus filhos ou os de sua parceira.

Tendo-se como exemplo o que ocorreu em Catanduva, no interior paulista, no início do ano de 2009, e o que vem ocorrendo no decorrer deste ano com os casos envolvendo a Igreja Católica, verifica-se que o agir pedofílico não é exclusivo de determinada classe social. Em operação da Polícia Federal concretizada na referida cidade, foram denunciadas pessoas das mais diversas camadas sociais pela prática de atos de pedofilia, em que foram indicados como participantes de uma rede de pedofilia desde médicos até mesmo um borracheiro, sendo este acusado de aliciar as crianças.

Assim como ocorreu no transcorrer do ano que passou, o fenômeno da pedofilia recebeu, novamente, um espaço significativo no jornalismo no início do corrente ano, porém, desta vez, envolvendo uma instituição milenar, qual seja a Igreja Católica. Segundo informações lançadas pela imprensa de todo mundo, a Igreja Católica vem sofrendo desgastes internos em decorrência das acusações de práticas pedofílicas por parte de seus integrantes, fato que tomou espaço inclusive em discursos recentes do chefe maior da referida instituição.

Em face de tais situações, o Papa, recentemente, desculpou-se publicamente pelos escândalos sexuais que estariam sendo praticado por integrantes da igreja que coordena. Contudo, uma questão importante volta a ser questionada aqui: seriam esses indivíduos realmente pedófilos, de acordo com as classificações técnicas, ou novamente estaria a mídia claudicando a respeito de tais informações? Este é um questionamento que fica em aberto, tendo em vista que as notícias de abusos são extremamente recentes, ficando impossibilitada, pelo menos por ora, uma análise mais atenta aos casos que envolvem os sacerdotes.

Desse modo, apesar da evolução legislativa acima referida, consegue-se perceber, tanto por parte da mídia como por parte dos membros do legislativo e do judiciário, a dificuldade técnica para enfrentamento do problema, que apesar de não ser novo, vem atingindo mais gravemente a sociedade a partir da última década.

4. O Pedófilo como Indivíduo (In)Imputável

Em grande parte dos debates que envolvem o assunto pedofilia, raramente há uma certeza plena sobre as afirmações que são lançadas, por ainda se tratar de um tema relativamente novo que instiga a novos estudos. Outra não podia ser a posição quando o objeto da discussão traz à tona a condição de imputabilidade, ou não, do indivíduo portador desse transtorno parafílico.

O Código Penal, em seu artigo 26, descreve as situações que devem ser verificadas para que um indivíduo seja “beneficiado” pela declaração de inimputabilidade ou mesmo semi-imputabilidade. O citado texto legal assim dispõe:

Inimputáveis

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Redução de pena

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

De acordo com um relatório elaborado pela Polícia Federal, a maioria dos pedófilos presos pela prática de atos sexuais em face de crianças detinha conhecimento do que estavam praticando, sendo, portanto, imputáveis. Segundo a PF, a porcentagem dos delinquentes cientes dos atos que praticavam varia entre 80% e 90%.

Já, segundo afirmações tecidas pela doutrina de Matilde Conti, estudos realizados demonstram que 70% (setenta por cento) dos contraventores sexuais não apresentam nenhum sinal de alienação mental, sendo, portanto, imputáveis penalmente. Em 30% (trinta por cento) estariam as pessoas com evidentes transtornos da personalidade, com ou sem perturbações sexuais manifestas – aqui se incluem os psicopatas, sociopatas, boderlines, anti-sociais, além de que um grupo minoritário de 10% (dez por cento) é composto por indivíduos com graves problemas psicopatológicos e de características psicóticas alienantes, os quais em sua grande maioria, seriam juridicamente inimputáveis.

De acordo com entendimento da psiquiatra Talvane de Moraes, o pedófilo mantém o juízo e, portanto, deve ser punido. Apesar de possuir um distúrbio, tem consciência do que faz, assim, não pode ser considerado um incapaz no tribunal, como acontece com os esquizofrênicos e outros portadores de distúrbios mentais, que, por não terem consciência de seus atos, terminam com a pena aliviada.

Ressaltando a existência da citada discussão, Jorge Trindade salienta que, a despeito de a pedofilia estar elencada nos sistemas classificatórios vigentes (CID-10 e DSM-IV), tem sido considerada uma entidade atípica. De acordo com o estudioso, seria ela melhor descrita como uma desordem moral, não encerrando “a condição plena de doença ou perturbação mental como qualificativos restritos do sujeito-corpo”.

Afirma ainda Trindade que como doença mental, a pedofilia colocaria o sujeito no registro dos inimputáveis; como perturbação mental, no quadro daqueles considerados de responsabilidade penal diminuída. Em qualquer das hipóteses, com limitada possibilidade de um tratamento curativo definitivo. Todavia, como doença moral, a pedofilia não retiraria a responsabilidade do agente, e o pedófilo seria inteiramente responsável por seus atos. Portanto, do ponto de vista jurídico, plenamente capaz.

Diante de tais lucubrações, há a clara percepção que grande parte dos portadores dos sintomas da pedofilia possui a capacidade de determinar-se. Contudo, admite-se a possibilidade de existência de desequilíbrio entre o instrumental psicológico de autocontrole e a intensidade dos impulsos. Com o fim de analisar esta situação, deve ser apreciada pelos peritos uma série de itens que, se presentes, demonstram uma diminuição na capacidade de contenção dos estímulos.
1. Ausência de premeditação ou planejamento, caracterizando o ato como impulsivo. No período de planejamento, o indivíduo fantasia o ato delituoso sem estar submetido a um impulso incoercível, enquanto ainda pode avaliar suas conseqüências e tem tempo de providenciar solução lícita para o desejo - tratamento ou medidas preventivas, como evitar situações propícias.
2. Traços da personalidade com baixa tolerância à frustração, especialmente os imaturos e explosivos.
3. Presença de inteligência limítrofe (retardo mental subclínico).
4. Intenção de não praticá-Io, caráter de luta interna entre o impulso e os escrúpulos, o respeito à lei e ao sofrimento do outro.
5. Tentativas de lidar com o impulso patológico de maneira adequada, evidenciadas por tentativas de tratamento ou providências para evitar o surgimento de situações propícias à conduta criminosa.
6. Caráter de ato isolado ou infreqüente.
7. Extraordinária intensidade do impulso, habitualmente revelada pelo sofrimento inerente ao seu controle.
8. Existência de arrependimento e preocupação com o sofrimento da vítima.

Ainda assim, há entendimento de que a caracterização da total inimputabilidade do agente pedofílico, ou seja, de ser “inteiramente incapaz de determinar-se de acordo com esse entendimento”, deve ser vista com certa reserva, tendo em vista que as presenças desses casos, em comparação com os demais, beiram à raridade. Entretanto, deixa-se claro que a noção de inimputabilidade aqui tratada decorre unicamente da pedofilia, não se levando em conta condutas que são praticadas em face de outros distúrbios mentais que eventualmente o indivíduo venha a possuir.

A despeito do debate acima referido, citam-se, abaixo, trechos de decisões proferidas pelo Poder Judiciário, em julgamentos em que houve a alegação de que o réu era portador do transtorno pedofílico: Discussão diagnóstica: O exame psiquiátrico do examinado, a história coletada, não indicam a presença de uma doença mental, na acepção do artigo 26 do Código Penal Brasileiro, em seucaput. Não há a presença de alterações orgânicas, sintomas psicóticos, alterações cognitivas, ou problemas significativos nem dependência química o que corrobora a afirmação acima, quanto a ausência de doença mental.

O problema relatado nos autos do processo diz respeito a uma alteração do comportamento. A pedofilia refere-se a comportamento envolvendo atividade sexual com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere (geralmente com menos de 13 anos de idade). O comportamento sexual em questão causa prejuízo no funcionamento social e familiar. Muitas vezes, o indivíduo pedofílico ameaça a criança para evitar a revelação dos seus atos. É comum que sintam o seu comportamento como ego-sintônico, ou seja, não havendo um estranhamento em relação à sua conduta. Freqüentemente procuram ocultar o seu comportamento, sua conduta, omitindo-os, uma vez que tem a noção de que o seu comportamento não é sancionado socialmente e legalmente.

Pelo que foi exposto, vemos que o diagnóstico da pedofilia implica a presença de um comportamento envolvendo atividade sexual com crianças. O comportamento não é observado pelo psiquiatra, assim como o é um sintoma, ou um sinal clínico, mas é referido a partir de uma variedade de fontes e contextos: a história coletada, os autos do processo que descrevem um comportamento, a confissão da criança a um médico ou a familiares, entre outros. Nem sempre se dispõe de todas essas fontes, haja vista que há com freqüência a tentativa de ocultar o ato perverso.

Desta forma, como o examinando nega a presença de fantasias sexuais com a menor, que seriam a motivação do seu comportamento, resta a evidência do próprio comportamento, evidência esta que, embora não seja fornecida pelo examinado, é descrita em várias outras fontes, em diferentes contextos: a denúncia, os depoimentos da mãe, da vítima e o parecer da equipe do Serviço de Psiquiatria da infância e adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Diagnóstico positivo: Pedofilia.

Comentários médico legais: Consideramos o examinado portador de Pedofilia, o que corresponde ao conceito jurídico de perturbação de saúde mental de que fala o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro, correspondendo a semi-imputabilidade. O nexo causal se estabelece por uma redução na capacidade de determinação, haja vista que a perversão tem um caráter compulsivo e impulsivo.

Por outro lado, o laudo pericial concluiu que o apelante era capaz de entender o caráter criminoso, mas sua determinação é marcada pela compulsão doentia de atividade sexual com crianças, ou seja, a pedofilia. Ocorre que isso não o beneficia, nos termos do art. 26 do Código Penal. Tentou dissimular a sua conduta perante o Juízo, mas contou com detalhes no inquérito (fls. 23, do segundo apenso). Em razão disso, a absolvição pretendida, com medida de segurança, não merece acolhimento.

Conforme se pôde perceber dos julgamentos supra transcritos, há divergências de aplicações dentre os casos concretos. O primeiro dos casos, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, reconhece a semi-imputabilidade do acusado após a realização de extenso laudo pericial que concluiu que o réu não possuía doença mental, que o considerasse inimputável penalmente. Na circunstância, entretanto, entendeu-se ser ele portador do transtorno de comportamento pedofílico.

Por sua vez, no que tange ao segundo caso posto em exame, percebe-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sequer considerou o transtorno pedofílico alegado no feito passível da benesse de diminuição de pena, mantendo a condenação inicial ao acusado.

Cabe por fim, analisar ainda neste ponto, o que acima foi mencionado quando da citação de autoria de Trindade, qual seja, a dificuldade de tratamento curativo do pedófilo. Mesmo que se busque em casos concretos a declaração de inimputabilidade do agente pedofílico devido aos transtornos que o afetam, é interessante destacar a dificuldade encontrada pelos profissionais que buscam a melhora clínica de tais pessoas.

Em geral, pedófilos não sentem remorso nem culpa pela prática de seus atos, imputando, inclusive, a autoria destes à sedução desenvolvida pela criança. Aliás, segundo Jorge Trindade, por não sentir qualquer perturbação emocional no seu agir, o agente pedofílico, como os parafílicos de um modo geral, não possui qualquer espécie de motivação para mudar seu comportamento, “muito menos para aquelas propostas por um tratamento psicológico, a não ser quando seu comportamento traz problemas para o casal, para a família ou para a sociedade.”

Segundo o referido autor, os pedófilos somente procuram algum tipo de tratamento quando se vêem premidos por dificuldades perante a lei – problemas com a Polícia, Justiça ou Ministério Público-, o que significa mais uma tentativa de auto-proteção do que um verdadeiro interesse em receber ajuda ou tratamento. Entretanto, mascarados pela busca de ajuda ou de tratamento, o que realmente desejam é evitar a ação da justiça e alcançar benefícios secundários para prosseguirem na trajetória do abuso sem serem incomodados.

A partir de tais dados, encontram-se fortes discussões na área da medicina forense quanto a real condição do pedófilo em apresentar relativa melhora com tratamento concedido pela medida de segurança, até mesmo diante da percepção de alguns estudiosos quanto à inexistência de cura para tal distúrbio. Isso, de acordo com tal posicionamento, levaria o portador a ser observado por toda a sua vida, o que acabaria criando um custo social e de reincidência consideravelmente elevado.

Em vista das dificuldades existentes para o tratamento da pessoa portadora do transtorno pedofílico, alguns países já recorreram a algumas atitudes mais severas do ponto de vista clínico. Há países em que, em casos extremos, tem-se aplicado a denominada castração química, situação que hoje também vem sendo discutida pelo Congresso Brasileiro. Trata-se da utilização de fármacos inibidores da libido, que são drogas que bloqueiam os hormônios sexuais produzidos pelos testículos. Em outros, todavia, tem sido utilizada a chamada castração física, na qual são removidos os testículos. Porém, esta, diante dos princípios constitucionais da inviolabilidade física e da integridade corporal, não poderia ser sequer cogitada no território brasileiro.


Face a essas controvertidas situações, salienta-se que o tema deve ser mais profundamente estudado pelo legislador brasileiro antes da edição de qualquer lei mais específica do assunto, como vem se pretendendo com o projeto de lei que busca implantar a castração química no território nacional para os indivíduos considerados pedófilos. Ressalta-se tal posição, principalmente, diante da posição de inúmeros pesquisadores da área que afirmam que o pedófilo é irrecuperável. Com isso, caso viesse a receber tratamento medicamentoso por parte dos profissionais habilitados para tanto, surgiriam algumas indagações, tais como: quem iria controlar o uso do medicamento pelo pedófilo durante o tratamento? O País teria uma estrutura de pessoal condizente com esta finalidade? E se o pedófilo não tomasse tais fármacos, haveria alguma outra sanção?

Em razão de tais posições e questionamentos, resta ao legislador ser mais racional, estudando melhor a questão, a tomar uma decisão com base no clamor social, sendo induzido emocionalmente a uma posição que pode logo ali adiante constatar-se não ser a mais adequada.

5. Considerações Finais

O abuso e a exploração sexual de crianças são uma realidade, assim como as redes organizadas de pedofilia. E, sobre estes assuntos, o Brasil e o Mundo já começaram a tomar uma série de medidas, sendo que uma delas é a de levar informações à população a respeito da gravidade do problema e identificar sinalizadores da existência de condutas pedofílicas.

A partir dos elementos apresentados no corpo do trabalho, destaca-se a diferença existente entre um simples abusador ocasional e o pedófilo, em que este não se satisfaz com um só ato, não só em razão das circunstâncias externas que os cerca, mas primordialmente pelos desvios comportamentais que o perturbam mental e sexualmente. Em decorrência desse fato, fez-se a construção de uma crítica no cerne do presente estudo, no que diz respeito à criminalização do “delito de pedofilia”. De acordo com os ideais do legislador brasileiro, estar-se-ia por punir o indivíduo pelo que ele é e não pelo que fez, em clara aplicação do direito penal do autor, ao invés do emprego do direito penal dos fatos, defendido maciçamente pelos penalistas nacionais.

Fica por demais cristalino que pedofilia não é um tipo penal, e, por isso, não é da alçada jurídica. Trata-se de um termo médico, uma doença catalogada na Organização Mundial de Saúde, ou seja, uma parafilia. A atração sexual de um adulto por crianças não pode ser apenada, se esta não passa da fase de cogitação. Isto é, somente é passível de punição o pedófilo quando adentra na fase da execução. E, nesse caso, não pelo “crime de pedofilia”, mas por incorrer em algum dos delitos previstos no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente ou em alguma outra legislação penal extravagante.

É, entretanto, louvável o pensamento advindo do legislador no que se refere à punição das condutas praticadas por abusadores sexuais de crianças de tenra idade, que não apresentam sequer uma mentalidade suficientemente desenvolvida para entender o caráter ilícito do fato. Contudo, a utilização do termo que deu origem a este estudo tem de ser empregado corretamente, e não como vem sendo citado nas reportagens jornalísticas, ou, até mesmo, por aplicadores do Direto no Brasil. A norma criada pela legislação protetiva do menor buscou, realmente, protegê-los dos atos praticados pelos pedófilos, mas não só por estes. Grifa-se que a norma pune a conduta e não o autor especificamente, como ficou demonstrado linhas acima. A lei atinge aquele que praticou o delito uma única vez, por questões externas à sua pessoa, mas também aquele que apresenta sérios distúrbios sexuais e que pratica tal ato contumazmente. Este último é quem realmente deve ser taxado como pedófilo, face as suas atrações intensas por crianças em um período de tempo considerável. Por isso, considera-se por temerário taxar o delito sexual com crianças como “crime de pedofilia”.

A dificuldade na punição dos pedófilos, localiza-se, primordialmente, na variabilidade de comportamentos que são inerentes ao seres humanos. Fica constatado pela maioria dos pesquisadores, entretanto, que os pedófilos em geral não devem ser considerados como seres inimputáveis, exceto quando afetados por algum outro transtorno de índole mental.
O presente trabalho é apresentado como uma instigação inicial a um estudo mais aprofundado sobre o tema, não havendo quaisquer pretensões no que tange ao esgotamento da questão, tendo-se em vista que conclusões terminativas sobre ele são difíceis. Todavia, parece não haver dúvida de que os agentes pedofílicos constituem uma grande ameaça para a criança, sua família, para a sociedade e mesmo para o Estado. Diante dessa circunstância, os estudiosos tanto da ciência jurídica como da psicologia necessitam urgentemente se unir para buscar soluções para uma questão tão complexa como esta.

Fonte: Revista Liberdades.org.br


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